COP30: Correndo contra o tempo, Belém vira canteiro de obras
Notícias locais
Publicado em 12/08/2024

Desde o anúncio de Belém como cidade-sede da COP30, que acontece em 2025, pairam dúvidas sobre a capacidade da capital paraense para receber a conferência do clima da ONU.

O aeroporto internacional Val-de-Cans tem nove portões de embarque. A rede hoteleira tem 18 mil leitos. A organização brasileira foi instruída a não credenciar mais de 50 mil pessoas para o evento oficial, sem contar a programação paralela.

 

A COP do ano passado, em Dubai, teve o dobro de inscritos. O próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva vem dizendo que não é razoável comparar um hub global erguido com petrodólares com uma capital no meio da Amazônia.

Ainda assim, o desafio logístico será enorme – e o tempo está correndo.

Valter Correia, um jornalista que fez carreira na Dataprev, empresa de processamento de dados do governo federal, chefia a secretaria extraordinária da COP30. É dele a responsabilidade de coordenar os trabalhos para que tudo ocorra com o mínimo de sobressaltos.

“Não tem fórmula mágica”, afirmou Correia ao Reset. “Não é trivial realizar um evento desse porte. Seria um desafio em qualquer outra cidade do país.”

Correia diz que o teto de credenciados sugerido pela ONU é uma volta aos padrões tradicionais das COPs do clima, que vêm inchando nas últimas edições.

A COP29, que acontece em novembro em Baku (Azerbaijão), terá esse mesmo tamanho, segundo ele. Outra medida anunciada é a antecipação da cúpula de líderes, que reúne mais de cem chefes de Estado e de governo.

Haverá um dia de intervalo entre o encontro e o início oficial da conferência, para desafogar os hotéis e as vias da cidade, que precisarão de esquemas especiais para o deslocamento seguro das autoridades.

Até o momento foram anunciadas obras que superam os R$ 4 bilhões, divididos entre os governos federal, estadual e municipal.

A maior delas é o Parque da Cidade, uma área de 50 hectares pela qual o Estado pagou R$25 milhões para a União ainda em 2021, antes mesmo da COP ser vislumbrada.

Com custos estimados em R$980 milhões, o local está em fase de paisagismo e, segundo o governo, deve contar com um centro de gastronomia e outro de economia criativa, além de áreas verdes e quadras poliesportivas.

No local, onde ficava o antigo aeroporto da cidade, está sendo construído

um centro de convenções onde deve acontecer a parte oficial das negociações da conferência. 

‘Imagina na COP’

Uma das grandes preocupações diz respeito ao trânsito. As ruas da cidade estão constantemente engarrafadas, e o sistema de mobilidade urbana ficou estacionado no passado.

Há décadas os moradores da cidade escutam promessas de uma “recauchutagem geral” na avenida Doca de Souza Franco, a larga via que liga os bairros Reduto e Umarizal à Baía do Guajará, cortada no meio por um canal de esgoto.

A avenida deve ser central para a COP, pois dá acesso à Estação das Docas e ao Porto Futuro, pontos turísticos à beira do rio e que irão receber diversos eventos ao longo da conferência.

O governo estadual promete entregar na Doca um parque linear, com novas redes de esgoto e obras de drenagem que incluem seis comportas para amenizar eventuais cheias do rio. Além da urbanização, o objetivo é prevenir alagamentos, que são frequentes na cidade.

Segundo dados oficiais, 13% da obra está concluída. 

A região também tem alguns dos pontos imobiliários mais valorizados da cidade. Por lá, estão em andamento as obras do Porto Futuro II, que transformará parte da área portuária da capital em um complexo multifuncional de turismo e lazer.

Três viadutos foram anunciados na região metropolitana para aliviar a pressão do tráfego entre a BR-316 até o centro da cidade, criando corredores alternativos pelas duas cidades vizinhas. 

Há um ano, a capital paraense sediou a Cúpula da Amazônia, quando 27 mil visitantes estiveram pela cidade ao longo de uma semana. Na época, o caos nas ruas já deixou os belenenses estressados.

A expressão irônica “Imagina isso na Copa”, ouvida antes do Mundial de 2014, foi adaptada: “Imagina isso na COP”.

Déficit hoteleiro

Diversos projetos estão em andamento para reforçar a estrutura hoteleira da cidade. Galpões sem uso há mais de 20 anos serão transformados em  um novo hotel de alto padrão da rede portuguesa Vila Galé. 

O outro empreendimento hoteleiro de luxo na cidade fica na mesma área e também tem bandeira portuguesa: a rede Tivoli confirmou em julho que assumirá, por meio da Roma Incorporadora, um prédio de 18 andares da Receita Federal que foi consumido por um incêndio em 2012.

O imóvel foi cedido pelo governo estadual, em troca de 2% dos lucros do hotel pelos próximos 33 anos. Durante passagem por Belém no fim de julho, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, anunciou que tenta acelerar o processo da cessão do prédio do INSS na avenida Nazaré, também para construção de um hotel.

Mesmo com as novas adições, ainda há muitas dúvidas sobre o déficit de hospedagem na cidade para um evento dessas proporções.

Escolas estaduais serão transformadas em alojamentos no estilo “hostel”, totalizando cinco mil leitos. O projeto envolve 17 unidades – quatro em obras, 11 com ordens de serviço assinadas e duas em processo de licitação.

Essa solução não é nova. Em 2009, enquanto era realizada a COP15 em Copenhague, Belém recebeu  o Fórum Social Mundial, que mobilizou mais de 80 mil pessoas, com muitos turistas dormindo em escolas e universidades.

Navios-hotéis

Uma das ideias muito mencionadas para resolver a falta de quartos de hotel é colocar navios e cruzeiros ao longo da Baía do Guajará.

O governo federal prometeu ajuda para viabilizar a solução, mas por enquanto o que há de concreto é a autorização concedida pela Secretaria de Meio Ambiente do Estado para a dragagem do porto de Belém

O prazo para apresentação do cronograma detalhado das operações vence este mês.

“Convidamos a MSC e Costa [operadoras de cruzeiros] para uma simulação, mas não significa que elas serão as contratadas. Nossa ideia é que cada transatlântico tenha duas mil cabines”, diz o secretário Valter Correia.

“Tudo correu bem. Também há tratativas com navios menores de expedição, de 100 a 300 cabines, da categoria luxo, que podem ser usados por delegações inteiras.”

Casarões antigos na cidade, muitos deles da época Ciclo da Borracha, que abarrotou de dinheiro a capital paraense na virada do século XX, também estão sendo muito requisitados.

Os aluguéis desses imóveis, de diversos tamanhos e em diferentes estados de conservação, custariam entre R$ 200 mil e R$ 1 milhão para as duas semanas da conferência – e a expectativa é que quem chegar tenha de pagar ainda mais caro.

A maioria deles deve funcionar como centros ou hubs de grandes empresas multinacionais.

Legado, não ‘maquiagem’

Para o BNDES, que vai financiar R$ 4 bilhões somente para obras do setor público, o mais importante é garantir que os trabalhos não sejam mera “maquiagem”, mas sim um legado de infraestrutura para a cidade, avalia a diretora socioambiental do banco, Tereza Campello. Ela conta que muitas obras já estavam previstas, mas que a realização da COP em Belém acelerou a saída delas do papel. São mais de R$4 bilhões somente para o setor público.

São obras de macrodrenagem em diversos pontos da cidade, além de uma frente de investimentos em praças, parques e ciclovias. Há ainda o Complexo Mercedários e reformas no Hangar, principal centro de convenções da cidade, Centro Cultural e Turístico Tancredo Neves.

Mesmo com tantas interrogações sobre a estrutura básica para receber as dezenas de milhares de pessoas esperadas em novembro do ano que vem – num evento que vai atrair os olhares do mundo inteiro –, Correia diz que a cidade estará pronta para receber a COP30.

“Não queremos restringir a ida de ninguém”, afirma ele, em referência ao limite de credenciamento oficial. “As forças sociais do Brasil são organizadas e participativas. A sede da COP tem muitos eventos paralelos. Só as delegações terão número limitado.”

O tempo está correndo.

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